Amanhecera...
Era bom finalmente enxergar a luz do dia lá fora depois de uma noite inteira sem pregar os olhos: a noite havia passado como uma lesma correndo uma maratona de 200 km. Aquele iria ser um dia de cão, muita coisa a se fazer, muita coisa pra consertar, muita gente para se desculpar; os últimos dias não haviam sido fáceis, cada dia vivido como se fosse o último, muita dor, muito arrependimento. A vida tinha que continuar; uma nova vida amanhecera junto àquele dia.
Sônia tratou de se levantar e correr para não perder o horário, saiu de pressa como se soubesse o que lhe esperaria, como se estivesse a fim de sentir aquele prazer o quanto antes, mal esperava chegar a sua hora, seria tão confortante quanto dormir uma noite inteira depois de um dia de trabalho. Entrou em seu carro, enfiou a chave na ignição e se libertou: som alto e o mundo já não mais existia, nada daquilo era real, só aquele momento era real, aquela sensação deliciosa do vento batendo em seus cabelos e ouvindo a música mais relaxante impossível. A vida passou a ser prazerosa para ela naqueles 32 minutos de viajem até o seu destino final.
A cor cinza daquele céu imundo e triste era de fazer uma pessoa ficar de mal humor por pelo menos 5 horas seguidas, já era o bastante para estragar qualquer esboço de um dia menos pior. Talvez aquele cinza estivesse prevendo a tempestade que viria alguns minutos dali em frente. O tom cinza é aquele que tira a vida de tudo, aquele que faz o preto parecer uma cor amigável; o cinza é como se fosse um branco disfarçado, um branco do mal; quanto ao preto, ele é só o preto e nada mais, não quer enganar ninguém, não quer ser outra cor. O cinza é a cor do medo, da fumaça, da poluição; o cinza é a cor mais cruel de todas.
Caminhar era uma terapia incondicionalmente imperdível naquele momento, sem aquela caminhada matinal, Sônia provavelmente passaria o resto do dia com o mesmo humor que o de Lúcifer ao ser expulso do céu. Era mais um momento perfeito e relaxante em sua vida; pena que ela nunca tenha dado valor aos pequenos momentos. Ela não imaginava que essas tão pequenas coisas influenciariam o resto do seu dia, ou melhor, da sua vida; não imaginava que ao caminhar, estaria tão desligada que passaria em frente a um ônibus à uma velocidade inacreditavelmente alta e a faria dormir por muito mais tempo do que ela havia planejado para à noite no começo do dia.
A morte para ela naquele momento era como um doce beijo das trevas, como se ela pudesse finalmente voar para bem longe de tudo aquilo, todos aqueles problemas cotidianos ir-se-iam embora para sempre, juntamente com toda a esperança de que um dia a vida poderia ser melhor. Finalmente, depois de três tentativas de suicídio nos últimos cinco meses, ela podia sorrir aliviadamente junto com o cinza do céu, que gargalhava ironicamente por toda aquela situação. Aquela sinfonia das gargalhadas irônicas infestavam o chão ensanguentado onde jazia Sônia e sua esperança de um novo amanhecer, ambos mortos.
Fuga
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O que eu preciso é de uma fuga.
Fui num espaço aberto pra encontrar o barulho do vento e das folhas. Tudo
que eu encontrei foi um martelo pregando alguma c...
Há 10 anos