terça-feira, 17 de maio de 2011

Amanhecera

Amanhecera...

Era bom finalmente enxergar a luz do dia lá fora depois de uma noite inteira sem pregar os olhos: a noite havia passado como uma lesma correndo uma maratona de 200 km. Aquele iria ser um dia de cão, muita coisa a se fazer, muita coisa pra consertar, muita gente para se desculpar; os últimos dias não haviam sido fáceis, cada dia vivido como se fosse o último, muita dor, muito arrependimento. A vida tinha que continuar; uma nova vida amanhecera junto àquele dia.

Sônia tratou de se levantar e correr para não perder o horário, saiu de pressa como se soubesse o que lhe esperaria, como se estivesse a fim de sentir aquele prazer o quanto antes, mal esperava chegar a sua hora, seria tão confortante quanto dormir uma noite inteira depois de um dia de trabalho. Entrou em seu carro, enfiou a chave na ignição e se libertou: som alto e o mundo já não mais existia, nada daquilo era real, só aquele momento era real, aquela sensação deliciosa do vento batendo em seus cabelos e ouvindo a música mais relaxante impossível. A vida passou a ser prazerosa para ela naqueles 32 minutos de viajem até o seu destino final.

A cor cinza daquele céu imundo e triste era de fazer uma pessoa ficar de mal humor por pelo menos 5 horas seguidas, já era o bastante para estragar qualquer esboço de um dia menos pior. Talvez aquele cinza estivesse prevendo a tempestade que viria alguns minutos dali em frente. O tom cinza é aquele que tira a vida de tudo, aquele que faz o preto parecer uma cor amigável; o cinza é como se fosse um branco disfarçado, um branco do mal; quanto ao preto, ele é só o preto e nada mais, não quer enganar ninguém, não quer ser outra cor. O cinza é a cor do medo, da fumaça, da poluição; o cinza é a cor mais cruel de todas.

Caminhar era uma terapia incondicionalmente imperdível naquele momento, sem aquela caminhada matinal, Sônia provavelmente passaria o resto do dia com o mesmo humor que o de Lúcifer ao ser expulso do céu. Era mais um momento perfeito e relaxante em sua vida; pena que ela nunca tenha dado valor aos pequenos momentos. Ela não imaginava que essas tão pequenas coisas influenciariam o resto do seu dia, ou melhor, da sua vida; não imaginava que ao caminhar, estaria tão desligada que passaria em frente a um ônibus à uma velocidade inacreditavelmente alta e a faria dormir por muito mais tempo do que ela havia planejado para à noite no começo do dia.

A morte para ela naquele momento era como um doce beijo das trevas, como se ela pudesse finalmente voar para bem longe de tudo aquilo, todos aqueles problemas cotidianos ir-se-iam embora para sempre, juntamente com toda a esperança de que um dia a vida poderia ser melhor. Finalmente, depois de três tentativas de suicídio nos últimos cinco meses, ela podia sorrir aliviadamente junto com o cinza do céu, que gargalhava ironicamente por toda aquela situação. Aquela sinfonia das gargalhadas irônicas infestavam o chão ensanguentado onde jazia Sônia e sua esperança de um novo amanhecer, ambos mortos.

3 comentários:

  1. O céu nos observa curioso todos os dias, muitas vezes reflete nosso humor.. ou será que nós refletimos o dele?

    Muito bom o texto.

    BJs

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  2. eu precisava de alguma coisa do tipo, do tipo assim, que retorcesse as palavras pra tentar encontrar algo implícito, pra fazer você pensar da forma que você tenha que pensar, essa viagem louca (e eu nem sei se estou usando viajem/viagem da forma correta)de que o universo fica olhando... tomara que o universo caia em cima da minha cabeça.
    valeu pelo post, era exatamente o que eu procurava.

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  3. Anônimo, você era a inspiração que eu precisava! Vou voltar a escrever depois do que você disse... E esse conto "Amanhecera" se tornará um livro, em breve...

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